Passeando pelo Facebook, achei uma postagem que ensinava a fazer stêncil na rua. Achei massa, curti e me deparei com o seguinte comentário, logo abaixo: "que bom você divulgando formas de depredar o patrimônio público, hein". Em pleno 2012, esse tipo de pensamento me causa duas reações muito distintas. A primeira é que as escolas tem feito um bom trabalho de alienação. Se não está no museu, não é arte; se não é figurativo, não é arte; se não é pago, não é arte; se é objeto de reflexão e não de consumo, não é arte; se é banal e qualquer um pode fazer, não é arte. A segunda é que mundinho particular e moderninho eu vivo, pensando que o mundo todo está apreciando as novas produções e não o que a tv enfia goela abaixo. (sim, eu sou do tipo que acha que a tv forma e deforma o pensamento)
A gente aprendeu que arte é cara, feita por um especialista e que tem um lugar específico - vulgo museu. Bem, se formos levar em consideração o que a arte significava quando começou a ser produzida no Ocidente, lá pelos fins da Idade Média, fronteira com Renascimento e tal (quando pinturas começaram a ser expostas com objetivos estéticos e não religiosos, desde o Império Romano & cia.), isso faz sentido. A arte era produzida para os reis e os nobres, era um artifício da corte para ser retratada, enaltecida e eternizada. Fora isso, tinha a volta à cultura grega - porque essa era A CULTURA e não o que a ralé, o povo, os plebeus pensavam e produziam: isso era pouco, chulo, sem grandeza. Os gregos eram grandes. (quem já ouviu essa história põe o dedo aqui)
Bom, quadro vem, quadro vai, em meados do século XVII a França e a Inglaterra inauguram um novo conceito de espaço, o museu. Lindo, um espaço expositivo. Mas que não era público, tampouco de acesso universal: de novo, só a nobreza tem acesso a eles. O mecenato torna ainda mais difícil a produção cultural: ou você tem um padrinho, ou morre de fome. Adivinha quem recebia incentivo... Claro que essas relações sofrem diversas transformações, mas a arte anda, ela é mais rápida que a pequenez humana. Paris começa a fazer salões internacionais de arte, onde o melhor da produção artística do mundo era exposto, apreciado e - principalmente - comprado. A arte é produto. Pois bem, esse conceito começa a ser grandemente questionado no século XIX, década de 60, quando O bebedor de absinto, de Manet, é recusado no salão e ele propõe uma alternativa ao salão oficial (que acaba recebendo um público muito maior, curioso para ver o que não tinha sido aceito).
Segundo as linhas teóricas que mais me agradam, Manet é o marco do modernismo e desde então a arte vira outra coisa. Não é mais produzida para a nobreza, mas para a burguesia, para as classes médias. O modernismo tira os olhos da corte e volta seus olhos para a vida cotidiana do cidadão comum. O bêbado, a prostituta, a fome, as guerras. Além disso, o advento da fotografia está aí e é mais rápido (e, em breve, mais barato) tirar uma foto que fazer uma pintura que capte a figura humana com exatidão. Ainda assim, o modernismo engloba toda uma produção figurativa que vai até cerca de 1960. Uma série de estilos: pop art, surrealismo, cubismo... Infinitos meios de extrair o além-imagem que a arte tem a oferecer. Tudo isso para dizer que a arte nunca esteve parada. E demora-se para aceitar as novas produções como arte - e algumas, mesmo após anos de reconhecimento da crítica e da academia, não chegam a ser valorizadas pelo público em geral. Mostra um Mondrian ou um Yves Klein numa sala de aula pra você ver. Em geral, espera-se que a arte seja imediata: bater o olho e apreender tudo que está dito. Faz tempo que não. As artes plásticas na modernidade exigem repertório, pesquisa, entender o que está na tela ou na escultura e porque está ali. Como antes a arte se esgota e é preciso expressar mais do que óleo-sobre-tela pode abarcar.
Na pós-modernidade (ou contemporaneidade, depende de quem define) outros suportes são necessários. Porque se restringir a uma arte que pode ser colocada num museu e esquecida às traças? Por que não usar meios etéreos e passageiros para a arte? Video arte, por exemplo. Como em Tango, do Rybczynski (lê-se como Rizinsqui, algo assim), um dos precursores da video montagem. É genial. Ou tratar a arte como conceito? Lichtenstein fez isso, e esse videozinho explicita a profundidade de um quadro "que qualquer criança pode fazer". A galera dos happenings fez isso, arte de impacto e protesto em suportes efêmeros: papel, cartazes, garrafas de coca-cola e outras pequenas atitudes de guerrilha. Vale a pena assistir What's happening? do Antonello Branca. Ainda nos anos 90, a arte já é questionada como produto, como direito autoral, como mercadoria. Warhol já fazia isso, mas ainda assim vale a pena ler A greve da arte, da Baderna.
A arte caminha por lugares incômodos, assustadores, esquisitos. A arte deixou de ser um agrado para ser uma afronta, a tudo. A lógica é questionada em projeções de sombra impossíveis pela Regina Silveira. Para que? Por que? E, por que raios ela não deixa a louça bonitinha, pintada como porcelana chinesa? E esse post nasceu de uma discussão que começou com "pichação". Chega de falar tanto com tão pouca prática. Banksy e OsGemeos, que são o pop do pop, o que todo mundo já viu e o que a crítica reconhece, vão falar por mim. Isso sem citar a enorme massa de desconhecidos, anônimos, silenciosos artistas que estão pelas ruas, produzindo arte gratuita e de qualidade. A arte cheia de funcionalidade: falar o que a vida nos faz calar.
(E bem, pensando sobre meu segundo questionamento... Tá na hora de sair do mundinho. Ou de fazer o mundinho crescer. Basta saber como.)
(foto: via facebook. não achei referência autoral)
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