Como a Lola sempre diz, toda mulher tem uma história de horror pra contar. Odeio essas máximas de "todo mundo" ou "ninguém". Mas quanto mais converso com amigas, conhecidas, colegas, mais eu percebo o quanto isso é real. Estupros, abuso quando crianças, espancamento por sermos mulheres, sermos frágeis, sermos boas de bater e de cuspir.
A minha história começou em 2010, de férias em Porto Alegre. Era Fórum Social, as pessoas eram lindas e eu saí com um cara que tinha acabado de conhecer. No motel, depois de algum tempo, ele resolveu me "enforcar", eu disse que não e ele não parou. Eu não sabia o que fazer. Afinal, era um desconhecido. Tinha medo de me mexer, gritar, fazer qualquer coisa e ele me matar. Mas ele não me matou (e como me disse depois, achou que eu estava me divertindo, mesmo quando eu dizia "para" e chorava, porque eu parecia gostar de sexo violento). Nesse dia eu tive a frieza e a calma de levantar, tomar um banho e voltar para onde eu estava hospedada sem dizer nada.
Eu ruminei as ideias e concluí que a culpa era minha: eu saí com um estranho porque eu quis. Entrei no motel porque quis. Não gritei nem peguei o telefone porque não quis. Eu gosto de sexo bruto. Ele estava usando camisinha. A culpa era minha, e, afinal nada tinha acontecido. Pelos meses seguintes eu ignorei a história, até que não podia mais transar no claro porque eu chorava todas as vezes. Em silêncio, quieta e sozinha. Até que um amigo percebeu e, seis meses depois eu contei pra alguém. Um ano depois, eu contei para meu analista. E nenhum dos dois conseguiu me fazer sentir melhor.
Pouco mais de um ano depois desse dia, nos reencontramos na rua. Meus joelhos viraram manteiga, eu comecei a chorar e não fosse estar com uma amiga que conhecia a figura, eu teria ficado ali, a mercê dele, sem forças, indefesa. Até que numa das postagens da Lola, ela escrevia sobre estupro. Como isso acontece entre conhecidos num motel e não num beco escuro, como as mulheres se sentem culpadas, como a mídia nos ensina a não ser estupradas. E desde então eu venho tentando lidar com isso. Parece pouco, parece bobagem, mas é como se qualquer coisa dentro de mim tivesse ficado quebrada para sempre. Um situação na qual eu nunca serei protagonista. Eu nunca vou me perdoar por ter ficado quieta, por não ter denunciado o cara, por não fazer nada.
Por que eu estou escrevendo tudo isso tanto tempo depois: semana passada, nos encontramos na rua. Eu ainda tenho medo, ainda não sei agir, mas não chorei. Eu fingi que não sabia quem ele era e mantive distância, mesmo ele puxando assunto e tocando em mim. Foi tudo que eu pude fazer. Voltei pra casa pensando em denunciá-lo. Mas qual o argumento? A lei não está do lado das vítimas, em geral. Eu só me constrangeria na frente de um delegado que tem coisas muito mais brutais e emergenciais pra resolver. Essa história já foi. Sobra a cicatriz em mim, como sobra em todas as mulheres que sofrem uma brutalidade. Sobra medo, sobra insegurança, sobra um monte de coisas ruins. Não lembro mais disso todos os dias, não tenho mais medo de sexo, mas não posso simplesmente esquecer.
Escrevo isso porque é uma redenção. Aconteceu, não é segredo. Eu não preciso esconder, nem ter vergonha. Quem sabe um dia eu não tenha mais medo. Quem sabe como a Lola me salvou de um limbo, eu possa ajudar alguma menina a se olhar no espelho sem se sentir suja.
Lua, que história triste. Triste por não ter pra quem recorrer, triste pelas cicatrizes e mais triste ainda por essa culpa que restou. Mas vou juntar o meu coro ao da Lola: a culpa não foi sua. Quando você poderia prever no seu pior pesadelo que uma pessoa agiria de tamanha brutalidade em um momento tão íntimo e que você estava tão vulnerável?! ELE é um monstro, ELE é o único culpado por ter agido de maneira tão bruta, nojenta e cruel. Obrigada por ter compartilhado a sua história. Acho que o mais bonito no feminismo é que nós conseguimos sentimos a dor uma da outra. Por isso te digo mais uma vez, ele poderia ter agido assim com qualquer uma por ser mulher, por achar que são mais frágeis, pois naquele momento ele tinha certeza de possuir você, seu corpo, ignorando os seus limites, ignorando você como pessoa. A culpa, em nenhum momento, foi sua!
ResponderExcluirMaiara
=((((((! Menina, nem sei o que te falar...Imagino cm vc deva se sentir, imagino mesmo. Mas saiba que te apoio, não yte julgo e sei que em hpótese alguma a culpa é sua!
ResponderExcluirSei como você se sente, e invejo sua coragem de falar disso em público. Seu depoimento, você sabe, pode ajudar muitas mulheres a entender o que aconteceu com elas. Na hora do sufoco é difícil saber como agir, seja durante um assalto ou um estupro. Afinal, fraquejamos até diante de situações menores, como uma bronca da diretora da escola (quem não se lembra de como era aterrorizante entrar na sala da diretora?). Nada mais natural que fiquemos assustadas diante de um valentão. Infelizmente, nem sempre o medo é nosso amigo. Ele também erra de vez em quando, e em vez de nos ajudar a saber como agir, nos inibe. A culpa não é nossa. As lágrimas já não são o suficiente para provar isso? São elas - as lágimas - as maiores testemunhas da violência!
ResponderExcluirForça, mulher! :)
Cara, eu passei por algo similar, similar que digo no sentido de violência, porque foi num consultório médico, com muita dor e o cara resolveu me assediar. Eu fiquei em choque, porque eu já havia ido a outros ortopedistas e sabia que os exames não eram daquele jeito, mas não consegui reagir. Não reagi porque eu custei a acreditar que aquilo estava acontecendo. Afinal, eu estava com dor e era um médico, um senhor. Saí de lá em choque e me lembro de que a próxima paciente era uma menininha nova com a mãe. Até hoje me culpo por não ter feito um escândalo e penso se ele fez o mesmo com a menina. Contei isso a poucas pessoas, contei isso a uma instrutora na academia e meses depois ela de deparou com o mesmo médico que fez a mesma coisa. Pra mim, não adiantava mais. Fique pensando como seria tratada, caso resolvesse denunciar, porque ele me assediou, não chegou às vias de fato e isso poderia ser somente coisa da minha cabeça, não? Vou te confessar, apesar de ter superado, de ainda frequentar médicos homens, como meu próprio ginecologista, eu tenho vontade de contratar alguém pra dar uma coça nele. Talvez um dia eu faça!
ResponderExcluirNão se abale, não se constranja, pois apesar de todas nós mulheres estar em uma constante luta desde o momento em que acordamos, é difícil realmente reagir quando nos vemos em uma situação como essa, talvez por ingenuidade de pensar que isso nunca poderia acontecer.Mas uma coisa é fato, se a violência contra a mulher ocorre ainda hoje em dia, em pleno século XXI a culpa não é nossa e nem devemos senti-la, pois a culpa é da sociedade que ainda não evoluiu o suficiente para perceber que a fragilidade da mulher não é algo que serve para tratá-la como um ser inferior, mas sim como uma forma de demonstrar carinho e respeito por aquelas que geram os filhos da sociedade.
ResponderExcluirNão é sua culpa, não é sua culpa, não é sua culpa, não é sua culpa, não é sua culpa, não é sua culpa, não é sua culpa, não é sua culpa! Dizer não é o que bastava, e só. Seguro minha mão na sua e uno meu coração ao seu. Obrigada por escrever, por falar disso, por ser exemplo! Obrigada!
ResponderExcluirLimites... Sem desprezar toda a carga de sexismo que permeia toda a sua história (mulheres frágeis X homens fortes; como uma mulher "deve ou não" se comportar sexualmente, etc.) penso que trazer a questão relativa aos limites é crucial para que vc afaste esse sentimento de culpa que, na verdade, é o que tem te feito sofrer por todo esse tempo. O sofrimento físico passou, foi momentâneo, mas me parece que o que te atormenta é não ter feito mais, ou ter feito menos do que deveria. É muito improvável que alguém que acabou de te conhecer saiba quais são teus limites. E vice-versa. Mas, mesmo numa relação estável, o parceiro que já te conhece um pouco mais pode ultrapassar teus limites. O marido ou companheiro pode, um dia, te forçar a ter uma relação sexual ou fazer alguma coisa que vc não queira (seja no campo sexual ou não), desrespeitando seus limites. Por isso, o que importa é que vc imponha os limites. É mais difícil fazer isso com um desconhecido, mas, na situação que vc relatou, vc pediu para parar. Vc impôs o limite. Mas ELE não respeitou. Vc não ficou calada. VC PEDIU PARA QUE ELE PARASSE. Então, VC efetivamente FEZ AlGUMA COISA. Ele é que não ouviu, ou fingiu não ouvir: não respeitou sua vontade. Então, não se culpe porque fez o que era possível fazer. VC colocou o limite dentro do que era possível no momento. Um abraço. Francine.
ResponderExcluiralém de não sentir culpa e denunciar temos que aprender a se defender, temos que nos fortificar, aprender a ser forte também. não caio mais nessa de que as mulheres são fracas "por natureza", temos que reconquistar nossa força... fazer alguma aula de luta ou de defesa pessoal. ai da próxima vez que vc ver esse FDP dá um chute bem dado no saco dele.
ResponderExcluirQuerida, recebi seu email e vim pra cá (estava viajando desde quinta, cheguei hoje). Fico muitíssimo feliz por ter te ajudado um pouquinho. Parabéns por ter superado este trama, esta culpa. Por que será que quase toda sobrevivente de estupro se sente culpada? Quem ensina que a culpa é da vítima? Que bom que vc aprendeu a não se culpar mais. Elogio a sua força.
ResponderExcluirEntendo você completamente. Quando eu tinha 17 anos fui na festa de aniversário de uma professora minha e o namorado dela ficou me paquerando. Eles foram me deixar em casa e entraram para bater papo e beber alguma coisa (eu não bebo). A minha mãe estava viajando. Depois de um tempo deixei eles conversando, tomando whisky e fui dormir. Jamais imaginaria que fosse acontecer alguma coisa, principalmente porque confiava na minha professora. Eu não sei o que passou com eles depois que fui dormir, mas o fato é que em um determinado momento, ele foi até o meu quarto e ficou passando a mão em mim. Inicialmente pensei que fosse o meu namorado. Isso durou a noite inteira (ou o tempo que ele esteve no meu quarto, perdi a noção de tempo). Não chegou às vias de fato. Eu não conseguia falar, fiquei paralisada e pensando como sairia daquela situação. Quando amanheceu ele foi embora. Como um robô fui abrir o portão, ele ligou o carro e não pegou. No desespero, ajudei a empurrar até o final da rua. Quase morri empurrando o carro. Depois dessa, travei. Contei para a minha mãe que queria matar a professora e o meu namorado que ficou com a pulga atrás da orelha. Não é possível esquecer. Também passei por bullyng em casa e na escola e são situações que não dá pra disfarçar a cicatriz. Lua, fico contente que você tenha superado esse trauma. Não consigo explicar muito bem como fiz para seguir em frente... Acho que criei um espaço vazio para não pensar, analisar e tirar conclusões... Depois disso, ainda deixei o namorado, por erro meu (talvez como punição), ir embora e tempos depois perdi o meu pai. Enfim, agora completa 10 anos que estou sozinha. Em dezembro de 2011, depois de todos esses anos, tive novamente uma relação com um homem. Não foi bom, mas assim como você, estou tentando disfarçar melhor a cicatriz. Mesmo assim, por esse fato e outros, o ano de 2012 começou diferente e tem sido como uma luz no fundo do túnel. Muitas coisas tem acontecido rapidamente e espero estar num processo de cura. Ainda tenho esperança de encontrar o amor companheiro em um parceiro. Um beijo no coração, Adriana
ResponderExcluirVc é muito corajosa, Lua. Essas coisas acho que nunca curam de verdade, mas cicatrizam e a gente aprende a conviver.
ResponderExcluirEu passei por uma situação parecida, e até hoje eu tremo na base quando as pessoas dizem que sofri violência sexual, abuso ou - a pior de todas as palavras - estupro. Foi minha culpa, eu digo a mim mesma.
Mas o feminismo tem me ajudado a ver que a culpa não é minha. Eu nem culpo o cara. A culpa é da sociedade que ensinou ele que quando a mulher diz não, ela não tá falando sério e que eu sou uma vadia por usar minissaia e ir pra balada.
Então, talvez ele tenha culpa, eu não sei, de verdade. E eu não tenho culpa.
Eu tento dizer isso a mim mesma, mas não funciona.
Não denunciei pelo mesmo motivo que você. Quem iria acreditar em mim, se importar? Quem ia dizer que eu não causei isso a mim mesma, quem ia acreditar que eu fiquei sem reação porque estava tendo uma crise depressiva e não impedi o suficiente, quem vai se importar se eu SINTO que foi estupro porque eu não queria e ele prometeu que não ia fazer mas fez mesmo assim?
Enfim, não foi a intenção desafbafar, mas ainda é estranho pra mim falar às pessoas sobre isso. Eu admiro sua coragem e espero um dia ter a coragem tb pra usar a "palavra com E" sem minha mente responder "não foi estupro, a culpa foi minha, minha, minha".
Olha, tudo na vida tem uma razão, qual foi a sua para este sofrimento? eu sei bem o que fala, durante toda a minha infancia e começo da pre adolescencia eu era abusada e violentada sexualmente por um familiar, e depois de 6 anos que pararam os abusos, fui estrupada por um conhecido... entrei na faculdade de direito, e acabei trabalhando na promotoria da infancia e juventude, aonde infelizmente estes casos são muito comuns e os de maior número... depois que saí da promotoria, fui trabalhar em outro lugar, e neste o moço que me estrupou trabalhava não só na mesma empresa que eu, como eu também tinha que eventualmente trabalhar com ele... se for recente, certamente não vai entender o que vou dizer a seguir... mas Deus trabalha de formas duvidosas, nunca passamos por um sofrimento se o mesmo não tem um porque, e aí cabe de cada um ver o seu porque... sendo sincera, havia acabado de conhecer este moço que foi para o motel, o que ele fez nao tem desculpa, mas não foque sobre ele, pense em você... depois daquele dia, quantas vezes tu considerou a fazer sexo casual? certamente não mais considerou, mas bom, e o por que disso? talvez a tua visão e os porques para consumar um ato sexual mudou, não é só mais desejo para uma consumação carnal, mas entre isso várias outras coisas... no meu caso eu acredito que Deus me fez passar por este teste, tao horrendo que seja, não só para me fazer mais forte, mas como também mais aberta ao perdão e ao amor puro... Deus não nos da provas que não somos capazes de cumprilas... analise as coisas que tu pensava antes e agora, depois desse episódio triste... ter medo de quem lhe abusou não só é comum como também é esperado isso, mas novamente não pense nele, o que for para ser dele está guardado, sendo isso bom ou ruim... situações fortes como essas nos fazem mudar, revemos nossos conceitos e muitas vezes vemos os erros que cometiamos sobre varias coisas e isso não deixa de ser uma segunda chance para agir diferente... perdoar o violentador é realmente algo muito complicado, mas na realidade, voce nao está libertando ele, voce só estara de libertando dessa magoa, pois ele só estará livre quando este pedir perdão a Deus e si, o que para isso acontecer também tem de se ter uma segunda chance... não sou nenhuma senhora muito menos uma fanática de Deus, mas eu compreendo as duas coisas que O mesmo prega, que é o amor e o perdão... ame seu corpo como um templo, cuida dele como tal, perdoe os outros, para que possa se libertar... o que importa no final, é o que tu aprendeu com esta prova que Deus pos no teu caminho? no meu caso, eu aprendi a me amar, apesar de ter tido esses problemas, eu não mudaria eles, pois certamente não seria a pessoa forte que sou hoje em dia; nem seria também uma pessoa liberta de magoa como eu sou; e muito meYr p? y8 'cbgy
ResponderExcluirainda está em tempo de denunciá-lo. talvez seja a falta de fazer isso que mantenha essa história tão dolorosa. vá a uma delegacia da mulher. registre a queixa. sei que dá medo, que custa muito emocionalmente, etc. mas você pode estar salvando a vida de outra pessoa que saia com ele.
ResponderExcluir